Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Tordo, O Ano Sabático E Os Portugueses

Não é fácil escrever diariamente para vários espaços, atropelando peças literárias com peças económicas, de gestão, de assuntos europeus. 
Duas das peças que já saíram hoje de um jato referem-se ao «sucesso como inibidor do coletivo», fragilidades e relatividades espaço temporais, felicidade individual e coletiva, e tudo o que não concorra para ela, como apenas uma forma de nos enganarmos a nós próprios, um sinónimo de grande fragilidade que não concorre para um mundo em que os humanos se possam assumir como tal. 
Anteriormente reverberei a inepcocracia que faz parte do nosso património genético comum. Ora aqui, bem, como duas almas gémeas de uma sociedade muito de antigo regime, muito enquistada em ganhos e perdas individuais. Costuma-se - costumava? - até dizer que, felizmente, o melhor que portugal tem são os portugueses; infelizmente, o pior que Portugal tem são os (mesmos) portugueses. 
Para além disso temos bons ares, excelentes paisagens e dois mundos, ambos excludentes, um com uma forma rectangular de campo de futebol, outro, o do portugal dos usos e costumes. Em gíria jurídica: o portugal costumeiro e/ou o portugal e o portugalzinho.
Deste último fui ontem testemunha. 

Uma audição de uma comissão de avaliação das boas práticas universitárias, daquelas pré formatadas no tempo e nos argumentos, formais q.b., resquícios de «antigo regime», ilações formatadas de estado falido a reverberar uma universidade «avant le temps», democrática q.b, informal q.b., de resultados infinitesimamente superiores às enquistadas, arrastadas, formalizadas, conservadoras, pouco democráticas e participativas, em suma as de «antigo regime». 
Mesmo que algumas, hoje, traduzindo todos os currículos – em Inglês, está visto! - se tenham transformado em universalismos de vanguarda. O provicianismo avant le lettre, perdão, não era isto que queria dizer mas já não consigo apagar tal mancha.
Mas hoje, cabe mais falar aqui das almas gémeas do ano sabático do Tordo - embora como bom existencialista, a minha prima seja prima de todos (nada de entorses!) e o seu bocejo incomode outros primos de outras raízes da árvore. No limite como o José, o girafa, o Rodrigues dos Santos, somos todos descendentes de Carlos Magno, passando pelos Capetos, por Afonso Henriques e por maomé - daí gostarmos tanto de toucinho! 

O João, escritor esforçado, americanizado (paga o que deves, Quetzal! a Amazon é que irá dar), em construção, como estamos todos ao longo da vida, farto de ser espoliado dos seus bens inteletuais pelos «cavalos à solta de antigo regime» (força aí, ò Tordo!). 
Chegado aqui, só um parêntesis: é que da noite para o dia, apercebi-me que todos temos uma alma gémea dentro de nós. Como? Fácil. A primeira perceção veio de, Três Vidas. A segunda, de um fenómeno estranho, mas animador para editores e livreiros. De um dia para o outro, como um daqueles telemóveis de rotação automática, a minha alma ímpar desata a contrariar a alma par, que brandia o estandarte inflexível da luta contra o novo «acordo orthográfico», desatando a escrever ao fluir da pena: jato, inteletual, coletivo, perceção, …: que leveza, meu deus, quão mais fácil, terna, ágil, produtiva e rápida se tornou a minha escrita! Em vez de duas peças, três! Em vez de meia hora, vinte minutos. 
Será que é isto a que se refere mister Passos, quando se refere ao ajustamento? 
E força aí, ò Tordo, não deixes que te vendam, que te comam as tuas Três Vidas, ou será que foi o Hotel Memória que me custou três pacatos?Perdão, ò Tordo que eu sou português - mas tolerante, vive e deixa viver - e também tenho a «minha quinta da escrita!»
    

O Sucesso, Esse Inibidor Do Coletivo

Há quem julgue que o sucesso se mede em mais comendas, prémios, bens materiais. 
Tanto o reconhecimento como os bens tangíveis são de uma tal fragilidade e relatividade espaço - temporal que são elementos despiciendos para a nossa felicidade individual e principalmente para a nossa felicidade colectiva. 
E tudo o que não concorra para ela é apenas uma forma de nos enganarmos a nós próprios, um sinónimo de grande fragilidade, que não concorre para um mundo em que os humanos se possam assumir como tal.    

Universidade A Quanto Obrigas: Inepciocracia

Ontem estive a ser voluntariamente sujeito de audição de uma comissão de avaliação do ensino - superior.
Como quase sempre em Portugal, a audição decorreu sob a fórmula de uma prática formatada na sua abordagem e um formalismo de «antigo regime» - neste caso, apenas, de regime pedagógico vigente – não inteiramente amigo da «produtividade» das conclusões, que permitam implementar as melhores práticas dos sectores.
Uma audição colectiva que juntou 5 elementos da comissão nomeada pelo Ministério do ensino superior, provindos de universidades diferentes - do ISEG à Universidade Nova, da Universidade de Évora a uma Universidade Inglesa e outra de que não fixei os nomes, a cinco elementos finalistas discentes de MBA em modo presencial, mais 5 a distância via teleconferência.
A Universidade em questão, a UAb, é uma das Universidades de vanguarda deste país, pela modalidade na forma de relacionamento entre os seus actores, ou «shareholders», no sentido da partilha e na capacidade que este tipo de ensino demonstra de integração dos diferentes actores, mais próxima da realidade do que é hoje a gestão do conhecimento.
Universidade muito «utilizada» por quem, já tendo experiências de formação anterior, pretende não necessariamente enriquecer o curriculum ou propiciar-se um título académico como forma de «se alavancar», mas pretende realmente enriquecer-se através dos currículos e do conhecimento.
Como quase sempre em portugal, a comissão parecia já trazer um guião de «uma tragédia» previamente encomendada: a tragédia de um país que deixou de crescer querendo ajustar-se através da mediocridade do status atual, como se o amanhã só renascesse depois de todas as práticas já existentes serem «passadas a ferro grosseiro», sem qualquer tipo de «olhar» mais fino que «salvasse» as boas práticas, separando o trigo do joio.
Uma tragédia alicerçada na falta de financiamento público, com o risco inerente de reversão de um modelo que tão bons resultados tem trazido a um país, formativamente com um «gap» passado tão pronunciado de competências.
Um país onde as propinas são já tão elevadas e impraticáveis face aos rendimentos das famílias - pese embora comparações sempre possíveis com países onde as mesmas são elevadíssimas, e totalmente impossíveis de pagar pela grande maioria da população, esquecendo países onde o futuro constrói-se na sua quase inexistência (algo, elevação das propinas, que indiciaria um retrocesso não só do regime democrático, como resultaria na destruição desta tentativa da sociedade portuguesa de apanhar o comboio das competências, num mundo cada vez mais faseado, baseado e diferenciado no conhecimento.)    
As questões colocadas pela presidência da comissão focaram-se em duas ou três questões sobrelevadas pela resposta unânime perceptiva dos envolvidos (experiência consensualmente considerada como única, impossível de obter por outra forma e uma mais valia, muito para além de qualquer experiência de modalidade exclusivamente presencial, para todos os elementos sem exceção), mais em questões de não perceção do que em questões de perceção - «A ênfase no porquê de um número razoável de mestrandos terminarem as suas pós graduações e não avançarem para a defesa da tese?»
Uma resposta na altura não dada, que o modelo «pela rama» de audição – no sentido do tempo inflexível e curto para uma reflexão verdadeiramente clarificadora das experiências dos seus intervenientes, não permitiu.
A nossa resposta seria, pela perceção que é de todos – até dada por um pequeno estudo comparativo sobre diferentes tipos de modalidades de ensino que tive (mos) oportunidade de efectuar em seminário de projeto. E a resposta seria: «Porque o objetivo dos alunos desta universidade, pela sua tipologia - quase todos já inseridos no mercado de trabalho - visa essencialmente o enriquecimento concreto pelo conhecimento, mais do que a capacitação formal aos olhos societários: "o ser, o aprender, apreendendo, muito mais do que o parecer, ou o querer ser"»
Neste aspeto é curioso a similitude entre este tipo de audição presencial e os regimes presencial e de e-learnig a distância, debate coletivo pós-audição, quase como uma espécie de extensão nas duas horas seguintes dos debates in classe virtual, informalmente, com troca de experiências diversas, pós 50 minutos de audição.
No primeiro, as participações resumem-se e dividem-se por um espaço temporal diminuto, incapaz de agregar todas as participações, de acrescentar dúvidas, réplicas e de tirar conclusões – o tempo, o formalismo e as idiossincrassias são muitas vezes um inimigo da verdadeira abertura.
Por outro lado, no tipo de ensino sujeito a audição, porque objecto desta universidade, as matérias são dissecadas coletivamente com a participação de todos; para além desses espaços físicos se alargarem à reflexão democrática e coletiva, com total abertura e democraticamente, «just in time», de conteúdos actualizados e validados pela vida (o tal centramento na vida real) não dependentes de manuais pontos de chegada, mas exclusivamente pontos de partida, arregimentando pontos de vista, convergindo no melhor do que deve ter o ensino superior (a flexibilidade e a participação, tão pouco do agrado de um sociedade política fechada, enquistada e de «nobreza de corte»); não um ensino expositivo, amordaçado, unívoco (para que serve um ensino expositivo e de manual, num mundo a manuais actualizados just in time?), mas um ensino participado, cumulativo, biunívoco, embora encaminhado; dirigido pela perceção do mais relevante, traçado pelas orientações docentes, de orientação de rota, colectivamente re - refletido, de tempo alargado, não capturado.
O pior que o desconhecimento pode, é fazer involuir e reverter, tornando cada vez mais Portugal uma sociedade decadente, de falta de mérito e de falta de capacidade empreendedora, atrasado e de «antigo regime.»
É que a capacidade de empreendedorismo, a tal ligação à prática de que hoje se fala, só pode existir numa faculdade do futuro, em rede, passando pela liberdade, flexibilidade do espírito reflexivo e constante tomada de perspetiva filosófica: a todo o momento tenho de me actualizar e avaliar, porque o que eu sei em definitivo é que «sei que nada sei!»  

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Infinito Literário

Face a este gigantesco pico de letra morta, veio-me à mente uma enorme pirâmide onde enterrar os meus mortos, muito para além de qualquer Gizé. Uma figura pequena e frágil destacava-se trepando pela pirâmide, figura minúscula quase a chegar ao topo. O vértice no entanto parecia não alcançável e infinito. 
Aurélio deu-me um número: 435.000 verbetes, sem esquecer as margens. Peguei neles e introduzi-os numa máquina que tenho propositadamente para estes momentos, em que subo pirâmides. 
Na subida pelo pico gelado ia escorregando numa massa ainda informe: era gelo onde eu pensava já encontrar neve. À transparência e com o esfregar de uma luva sem cor, divisei um nome, neologismos: eram essas as margens. Entretanto, a máquina já estava quente: havia que prosseguir! Fatoriais, combinações, e o número não parava de crescer: impossível de encontrar, de um infinito de letra sempre viva que alegrava mais do que doía. 
Não seria já o meu olhar encandeado, dorido e cansado de tanta viagem?       

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Os Quatro Significados De Catinga

Caro António
Mesmo que bajulasse lembrava-lhe que os tempos estão por aqui materialmente «pindéricos», para não falar da ética soberana republicana;

(estava aqui a ler que, o búlgaro demitiu-se com o argumento seminal e plural de: «O primeiro-ministro da Bulgária, Boiko Borissov, anunciou esta quarta-feira no Parlamento a demissão do seu Governo, na sequência de dez dias de manifestações no país contra os preços da eletricidade considerados elevados. «Temos dignidade e honra (e electricidade cara, ao contrário de nós!, e já agora povo, com consciência soberana, acrescentaria eu!) Foi o povo que nos confiou o poder e hoje devolvemo-lo», declarou Borissov»

e que, brevemente, quase tão brevemente quanto este e-mail o for encontrar a dar boleia a «uma bela tanacetum vulgare», precisaremos do retorno – de preferência, carregados! - dos contentores (não lhe peço que encaixote a «bela professora» porque a mãe N’Gola, humilde e com vontade de criar os seus filhos «a peito», precisa tanto dela, como nós já quase de pão: já não para a boca, mas para ressarcir, daquilo que poucos viram, o avaro e sovina credor).

Como «hoje» é dia de economia política deixo-vos este artigo delicioso – só rir? se não fosse trágico - da nossa amiga historiadora e escritora, Cristina Torrão, sobre as «novas minas de escravos» na Alemanha Merkeliana e de como o termo catinga se pode confundir na sua significância.
Habitualmente nada dado a invejas, mas isto é como o António diz, as invejas têm momentos como as obras, está aqui a dar-me um ratinho de inveja desse povo com que coabita actualmente: pela grandeza do cenário, pela alegria na simplicidade, pelo cheiro a África que ainda retenho (me desculpem o atrevimento, os nossos irmãos e a minha paixão africana, mas aqui não estou a falar do catinga-de-mulata, a planta tanacetum vulgare, nem da sua forma galega, nem mesmo daquele significado que mete glândulas, mas de uma mistura de cheiro a terra e savana queimada.
Um abraço das colinas Alfacinhas, António!

«Não é que está ali numa de uma das sete colinas - nas outras também lá estarão, com certeza -  uma bela professora, também ela me falando da dificuldade de ensinar, mas por desempregada, também era professora, a pedir-me boleia e a lamentar-se da catinga desta administracao (assim, mesmo!) na sua forma e significado galega (avareza!) 

O Olhar Da Mediania

Tenho já por este sedutor espaço quase uma fidelidade canina, pela companhia e pela cumplicidade do olhar, como se fosse um «chiwawa» maravilhado perante uma pequena grande janela para o mundo, que nos propicia livros para combinarmos passados e para nos ir fazendo lembrar ad contrário, como tão bem ilustrou o Severino num comentário passado que, «o tempo não se para (tyuiadfghjklzxcvnnnnwcom!!!) com as mãos.» As bibliotecas herdadas com livros “descapados”, decapados pelas leituras, a excitação dos tempos curtos de feira daqueles pequenos tesouros rectangulares, puzzles quixotescos, lâmpadas de Aladino, cavernas de ali - bábá, os tempos longos de sofreguidão de leituras assinadas atrasadas, os breves tempos de internato escolar, a nostalgia e magia do livro, passageiro do tempo, condutor de lugares improváveis, que nos fazem rir, chorar, viajar, nos ocupam o tempo, acompanham, educam, abrem horizontes, tomando conta de nós, nos fazendo regressar do passado ao futuro num ápice, os super-homens, os aranhiços, «os cinco» aos seis, «os sete» aos oito, «os falcões» aos nove, servidos e sorvidos sofregamente nos regressos - retorno de meninos arrastados para o continente dos bichos – aos irracionais, obviamente, mesmo que olhar incompleto e ingénuo ainda não acomodasse a diferença – «os tintins» aos onze, «os vampiros» aos doze, os legionários aos treze, os centuriões, o far - west, os nossos velhos “descapados”, hoje encaixotados como múmias, impossível de nos separarmos, tesouros a que outros chamarão entulho, tudo isso se encaixa num grande eu construído ao longo daquilo a que chamamos tempo.
A colação «extraordinária» do eu, remete e remate para uma interrogação: o nosso eu é um eu perceptível - pelos outros - ou as leituras, ou o que quer que seja de maturidade, vão-nos fazendo estranhos aos olhos dos estranhos? Que estranho mundo é este que nos afasta dos mais frágeis, dos mais dentro da norma, dos mais medianos? Que mundo é este que queremos viver que é só nosso?  

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Contaminação Ortográfica

De repente eu, PAS, um fidalgal inimigo absoluto do novo acordo ortográfico, um libertário, está a dar-me para começar a escrever aqui e ali, menos um hífen, menos uma letra, com uma enorme paz de espírito, mesmo sem dar por isso, harmoniosamente, aligeirando o peso de algumas palavras, como que otimizando a minha escrita - será preguiça, senhor? 
Contatando com este novo facto - não, esta não me apanham a roer a consoante -, deveria estar a sentir-me cada vez mais um traidor aos meus registos, um preguiçoso rececionando aos ombros sacos de 12 dígitos em vez de 13 dígitos. Mas não: sinto-me cada dia mais leve. 
E esta, pessa, heim? perdão Pessa, que o respeito é muito bonito!

Visão Comprida da Visão Curta Anterior

Eu, contido nos encómios e totalmente contra as sinecuras de que se fazem nalgumas latitudes os dias, dei por mim, num daqueles raros impulsos da vontade, a apoiar in loco um daqueles escritores que parecia desanimar face à crueldade, à injustiça da desestima literária, ao sentido do amor - próprio literário, à sua irrelevância para o outro, à recusa e omissão da pequena centelha de motivação pela notoriedade. Numa sociedade pequenina, o sucesso de uns parece obliterar o sucesso de outros, como se a mercearia da esquina não ganhasse com o pequeno supermercado do topo e vice - versa. O monopólio e/ou o oligopólio do sucesso, não são/é exclusivo da rua, mas do racional humano. 
Assim, Caro L.C:
A palavra é tudo o que temos... O ocaso e a palavra serão sempre um recomeço, uma aurora recorrente da humanidade. 
Não é verdade que só haja lugar para um eleito!

A Palavra É a Aurora Da Humanidade


Caro L.C.
A palavra é tudo o que temos, o corpo inimaginável que nos permite contrariar a decadência dos sentidos, tornando o mundo mais desprovido da insanidade da ganância, da injustiça, do calculismo, do ódio, do interesse, da ignorância, da precariedade, do desconhecimento, do absoluto. A palavra é a reconversão do efémero, imaterialidade que derruba fronteiras, harmoniza conhecimentos, solidifica a paz, separa os elementos nucleares, decanta os elementos pesados dos leves. A palavra não é, nem fraqueza, nem vanidade, nem solidão, nem ridículo, mas a compreensão de nós num universo incompleto, complexo, diferenciado. Numa palavra há candura, mas há também dureza; numa palavra há dúvida, mas também certeza; numa palavra há pieguice, mas também coragem; numa palavra há intangibilidade, mas também matéria sensível; numa palavra há mundo, mas também aldeia, lugar, habitáculo. Os actos, esses, são apenas um instrumental das nossas palavras, eixos cartesianos que se movem positiva ou negativamente pelos sentidos, despertares da nossa consciência. Por isso, é pela palavra que vamos, conscientes que esta é a verdadeira sentinela dos nossos actos. Por isso é que o confronto das palavras é o lugar mais humano onde homens e mulheres se podem encontrar. Por isso é que este é o lugar onde nos encontramos com o sentido da vida. Por isso é que a desistência do cheirar as palavras, do apalpar as palavras, é a desistência dos sentidos, a confirmação da perda, a normalização dos actos, o domínio pelo reflexo involuntário, o estado selvagem da nossa indiferença. Pela palavra estaremos sempre muito mais perto do mundo dos vivos, do que pelo seu abandono. O ocaso nunca é um acaso sem glória. O ocaso e a palavra, são sempre um recomeço, uma aurora recorrente da humanidade.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Mar Dos Aflitos

Vivemos novamente o mar dos aflitos;
A espuma cruza este nosso navio
Repousando a quilha entre o fundo e o infinito.
A verdade corre o nosso convés
Nem por isso nos fazendo arrepiar caminho.
Mas a cada onda o mar destapa,
Varrendo as amuradas, 

Os dejectos,
De que não nos soubemos aligeirar,

Impendendo sobre os nossos conveses,
A tragédia,
Como um descartável lastro
Que nos fixa ao fundo.
 

E no cesto da gávea,
O capitão afunda-se intranquilo
No seu próprio medo,
Como um aprendiz de marinheiro
A quem lhe falta mão no leme
E peso na âncora,
Temente de fazer cruzar a barca
Por mar tão pouco chão
E tão pouco clemente
Aos nossos olhos.


Clemência, a nós?,

Que açoitamos tanto,
E tão impiedosamente a natureza,


Merecendo castigo!

PAS

Morto Em Vida Me Aborreço

Perguntaram-me: mas tu és afinal, o quê? Não soube responder. Não soube mesmo o que dizer, estirado numa esteira, no esteio de uma maré - cheia, onde a maresia parece recuperar o mar. Gorduroso, foi o que me chamei; com uma gordura que espero boa; e, onde me escondo, onde me diluo e me arrasto sem mexer um só dedo: protege-me do frio! dá-me abrigo! protege-me, da bestialidade das nossas trevas! da besta que alimentamos quando fenece o amor e nos tornamos diabos. Há noites assim: em que não percebemos de que massa somos feitos; ...          
PAS

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Estamos Aqui, Os Poetas, Para O Que Der E Vier!

Decantar - não depurar que a tanto não me atreveria, não há depuração possível fora de nós - é separar componentes imiscíveis. Ou seja, aqueles que não se dissolvem aparentemente uns nos outros, por mais que se diga não misturarem mesmo na essência. Um dos meus maiores divertimentos é, olhar um texto e decantá-lo «do outro» na sua complexidade; como se os textos fossem seres vivos, animados, despertos, com braços, pernas, narizes, ouvidos, sentidos: sim, porque todos os textos são complexos; trazem um bocado de nós dentro deles, uns seres microscópicos que teimam em ocupar cada pedaço do nosso cérebro, das nossas mãos, dos nossos pés. Decantando-os, assim, finjo, sabendo que é apenas uma ilusão, os tornar em dois. A decadência falada, já não é apenas uma decadência civilizacional, da pátria, da mátria, ou mesmo dos sentidos, como a decadência, isolada dos outros sentidos e propalada por um autor aqui muito falado, o Caminha, o da decadência de um importante sentido - a do olfacto. Implicar a leitura, das nossas ruas, das nossas vielas, até das nossas mazelas do dia - a - dia, não implica, no entanto, a cirurgia das palavras: essas, as deixamos para os corpos inanimados. O que me preocupa, mesmo, é a decadência da lembrança; o regresso, por esquecimento, ou ignorância, a um lugar devastado - o que implicará um novo regresso, um novo recomeço e a dor desse lugar esquecido. E é por isso que, através da poesia, estamos aqui para o que der e vier!

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Histórias Com Experiência Dentro

Deixem-me contar uma história de encantar. 
Há muitos anos, nos tempos risonhos do yuppismo, quando a europa começava a franquear as nossas portas aliciando-nos com o bezerro de ouro, deambulava eu de férias num mini bus, em Miami City, quando o guia espanhol da excursão -  que até meteu um DC9 de uma companhia de férias, a deitar por fora, por força dos seus revestimentos interiores, baratas - apontou para o lado direito.
Dizia ele em «americanhol»: «À vossa direita, é o distrito financeiro!»
Depois de percorrido umas largas centenas de metros, com aquelas torres envidraçadas a cheirar a caixa forte do tio Pato, de (a) Disney, acrescentou:
«A partir daqui começam as mafiosas; as de lavandaria...» 
Qual não foi o meu espanto, o meu horror, o meu despeito, quando vi gravado com estes olhos que viam ainda aquilo como um grande e glamoroso mundo novo, num edifício modernaço, as siglas brilhantes, reluzentes, douradas, diáfanas: BES. 
Indignado, envergonhado?, colei-me ao estofo a cheirar a novo do assento. 
«Ele há cada guia turístico mais idiota e enlameador do sucesso dos outros, achincalhador dos pequeninos», pensei. 
Há que dizer que estávamos, já, na pós - era do «small is beautiful».
Como posfácio, e depois de parte substancial das minhas poupanças aplicadas em acções de um banco da nossa praça terem sido minguadas em quase 100%, há que acrescentar em jeito de conclusão: eu, estudante de Modigliani, teorizador de finanças corporativas de teoremas sobre a importância para o lucro do tipo de financiamento declaro, que: «a qualidade do revestimento interior é hoje, neste trade-off entre ética e ambição a que me eximo, o único activo que contemplo e, logo, o que mais aprecio».     

PAS

O Alferes

-Meu Alferes, eu não compreendo essas coisas. Política não é comigo!
- Eu sei, eu sei, soldado. A política nunca é connosco, é só com os outros. É por isso que estás aqui. De outro modo estavas em casa agarrado à tua mulher e a limpar o nariz do teu ranhoso!
O soldado não percebeu a intenção do Alferes, a brutalidade soube-lhe a afecto. Mas também não precisava. Havia quem pensasse e decidisse por ele.
«Há uma distinção entre legalidade e legitimidade. Quem quer transformar o acto, em acto legítimo, toma o poder», pensou o Alferes. 
PAS

Momentos de Comunhão

No manancial de leitura que nos inunda todos os dias, nem todos conseguem verter a nossa atenção em determinado momento. Muitos são injustamente recolocados no fim da fila depois de terem esperado tanto tempo pela sua vez, pelo seu tempo de avaliação e glória. Alguns, até, são lidos sem a atenção devida, as palavras traduzidas como refrão de música ou hábito de oração.
Aconteceu isso comigo recentemente com o «Jerusalém», de Gonçalo M. Tavares, e com «o remorso de baltazar serapião», do valter hugo mãe. Aos dois, mil perdões, mas nem todos os momentos são momentos de comunhão.  

Bibliotecas Digitais: Um Brilhante Mundo Novo

Queira ou não se queira, tente-se resistir ou não, a porta já está escancarada como se lá estivesse entalado um martim moniz a deixar porta entreaberta a novas conquistas. Falo dos livros digitais que, para os mais atentos, já bruxuleiam como sombras mais ou menos apetecíveis, mais ou menos ameaçadoras, em tudo o que é portal.
A biblioteca digital Camões, do Instituto do mesmo nome, é um desses novos acervos de uma nova forma de leitura, que irá alterar todas as relações entre autores, leitores, editores e permitir massas impressionantes de documentos à simples distância de um click da nossa mais recente janela para o mundo.
Um novo e brilhante mundo novo parece estar aí já escancarado, para brilhar, colocando autores mais perto de leitores, permitindo uma procura mais focalizada, à medida do momento. 
Não sem antes causar dor, feridos, mortos: à autoria, às editoras, aos velhos distribuidores. Protagonistas da mudança que já fazem ecoar para o interior e exterior da rede, gritos lancinantes de desconforto, de revolta, de perplexidade, de pavor - toda a mudança causa a dor do desconhecido, a angústia e o pavor do excluído, da perda, a insegurança. 

Quase a abrir, pelo menos nesta janela institucional com vista para os livros, um «testemunho» nunca lido avança alegremente e em força para a minha plataforma de leitura: «A Corte do Norte», da autoria de Agustina Bessa-Luis, com chancela da Guimarães Editora. A Agustina, o nosso agradecimento, por esta prenda que nos bate oferecida à janela.    

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Os Editores, Esses Orientadores De Leituras

O trabalho da Rosário não é mesmo nada fácil.
Este «postal» faz-me pensar na virtude maior destes posts, a de nos ouvirmos interiormente, para além da intenção secundária de arrasto de promover leituras como quem LeYa.
Quando leio a Rosário vejo quase sempre só a divulgadora, a pedagoga, a poeta, não a editora ousada que gostaria eventualmente de o poder ser mais - a que o sol em cima das nuvens lhe permite.
Poeta maior que é, e assalariada que «somos», perdoo assim este redireccionamento, e haverá alguma coisa a perdoar para além de «editar-se» pouco? Isto leva-me a pensar, como tantos, que se tem de replicar «Rosários» a outros nichos de interesses e tipos de leitura: nem sempre a poética interior nos convoca, ou a beleza estética de uma escrita mais hermética, burilada, vestida de saias com rendas, nos apela.
O acordar para o real, também necessita de espaço, mau grado nos alienarmos mais facilmente num ficcional poético interior. Só mesmo nesse confronto poderemos valorizar a beleza. 
A massificação da escrita, a explosão de nichos, as novas formas de publicação, e-books incluídos, a sombra devastadora «Amazónica», para as editoras, pode rapidamente triturar grupos editoriais. Paradoxalmente, ou talvez não, nascem quase como cogumelos - hoje mais lentamente, que os ambientes estão mais secos.
A escrita hoje tornou-se cada vez mais um produto descartável, um quase colectivo despido de autoria que absorve tudo e todos por osmose – a escrita hoje parece cada vez menos uma expressão do individual e cada vez mais um síntese do colectivo. Nessa perspectiva o olhar do editor já não descortina grande virtude numa escrita, que não seja quase um novo abrir de caminho. A percepção tida é a de que um autor para ser hoje considerado autor fora de si, necessita de ser um escalador de degraus, uma espécie de «cortador» epistemológico de 1º grau.
O problema para os autores, hoje, já não é (só) assim tanto a divulgação - que é, quer se queira, quer não, a suprema motivação da necessidade de afecto e reconhecimento humano, mas a atenção pela diferenciação, seja esta consequência de uma precocidade de género, de genialidade, de uma estrelinha, ou de uma máquina orientada bem oleada.
No limite, os autores podem aspirar a um reconhecimento tardio como Rentes de Carvalho, ou à ressurreição em morte.
E essa, é outra forma, de habitar uma zona de enorme conforto.

Cemitério De Pianos

Que relação há entre um cemitério de pianos, famílias comuns, Francisco Lázaro, amores, frustrações, violência familiar e um nó cego simultâneamente poético e intrincado? 
Isso mesmo, o cemitério de pianos do José Luís Peixoto.
Cada vez mais, quando leio um livro de ficção, me cinjo menos ao conteúdo, cada vez mais aos pequenos pormenores e ao modo como se opera a construção do enredo: como se fosse uma espécie de espião de mim mesmo.
Em cada passo revejo o modus - operandi da operacionalização da estrutura e a dor do prazer. Mais do que de parto,  destes objectos que sinto fazerem parte de nós próprios. 
Este cemitério, não é um cemitério; é vida complexa em movimento, cemitério de nós próprios como objectos recuperados!
Ainda há esperança nas nossas vidas comuns!  

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Poetas e Lua de Marfim: Joel Lira

                                                                 27 são as poesias
                                                Que vogam este luar;
                                                27 são os poetas
                                                Que moram neste recanto;
                                                27 são as sombras
                                                Que nos enchem de cor 
                                                E de Sol.
                                                
                                                Destas 27,
                                                Escolhi uma ao calhas,
                                                E porque não tenho indicador
                                                Para tantos,
                                                Calhou a rifa ao Joel,

                                                (Como podia, o Sr. Calhas,
                                                Ter premiado, 
                                                O manel!)
                                                (PAS)


«Agora crescido como um ser já sabido,
embrulhei em papel pardo m´nhas dores.
E, num baú sem fundo, meus dias piores,
deixei-os ocultados num saco esquecido...

Sonhei no passado sonhos com multicores,
Muitos a dormir. Outros, esperto, vivido,
mas sempre com esperança dum só sentido:
-Qu' a paz, o amor, não perdessem os seus valores!

O sonho da m´nha vida não foi interrompido!
Tão pouco ignorado, desprezado, perdido!
Trago o sonho acordado. Dou-o sem favores!

Mantenho a ideia que um mundo sem cpores,
não faz parte da semente dos meus mil amores,
Meu sonho é real e não sonho adormecido!
(Joel Lira; 71; A Vida num sonho; Lua de Marfim)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Gratidão É A Nossa Humildade A Prestar A Mais Bela Das Rasteiras À Nossa Vaidade

Não é fácil voltar ao mundo onde os afectos nos tomam como escravos; não é fácil voltar ao mundo onde se danam os abraços, os toques, os reportes das coisas boas, as fragrâncias e só se divisa vaidade, desumanidade, desrespeito, despeito e orgulho. Nesses locais gelados, frígidos, de grande bestialidade, onde os homens são números e materiais descartáveis, é a desprezível carteira que julga substituir-se à amizade - como um bom golpe nos curtumes dava um bom enxerto para preencher corações empedernidos!  
Não é fácil voltar ao mundo onde os afectos nos tomam como escravos, como não é fácil qualquer regresso depois de passar pelo graal, que alguns entendem como o sol num dia de inverno; outros, uma réstia de luz num dia de bruma; ainda outros, uma flor viçosa no deserto; este outro, uma nuvem fugidia num céu limpo; alguns, ainda, como o apetecido remanso familiar, depois de uma jornada.
A gratidão é a nossa humildade a prestar a mais bela das rasteiras à nossa vaidade; uma forma de nos agradecermos; uma mão a retornar tudo aquilo de que tiramos do espaço que nos rodeia; uma das mais belas formas de amar. A gratidão não é granizado, nem gratinado, nem um qualquer acepipe que nos abra o paladar; a gratidão é uma espécie de glacée cobertura de bolo mármore; e, sim, uma espécie de cozido de furnas que nos vai cozendo, apurando, a nós, devagarinho, ao barro. De todo esse desperdício, junto e juntos faremos umas bolas de pêlo que nunca afundarão nas poças; que nunca se arrastarão nos charcos; que nunca flutuarão nos lagos; que nunca se depositarão nos rios; que nunca empestarão os mares e, que nunca se perderão nos oceanos acicatados pelos ventos de oeste ou de leste, de norte ou de sul; e, que cá estarão dentro de mil anos, a espicaçar-nos, tomando conta de nós e separando verdadeiramente, devagarinho, o trigo do joio, à espera que do joio se faça trigo. 
PAS

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Ser Poeta É...

Penso que não há maior simplicidade do que a complexidade do poeta, mesmo que as palavras pareçam estar aparentemente gastas. Estive no aniversário da editora lua de marfim. Gostei da sua pluralidade, da sua simplicidade, do seu traço de abertura a um mundo novo, na relação entre público, autor, editor, mesmo que o negócio seja a sua primeira condição. 
Gostei de ver o Luís Caminha ser premiado pela sua obra: nele «vê-se» a paixão pela escrita. 
Tive oportunidade de expressar, ao Luís, o prazer de conhecer um grande escritor e poeta: e como os poetas são quase invariavelmente gente tímida, por (ex) porem» tão mais à mostra «as suas entranhas», numa sociedade de espelhos, do faz de conta, dos interesses, do calculismo, dos jogos, das traições e enganos, dos medos,  e que não se satisfazem por vãs promessas. Escondidos, quantas vezes, por detrás de uma oralidade canhestra, de uma falta de vontade de vaidade, que não expressa a riqueza da sua alma. Afinal, as palavras são tão mais vãs do que os sulcos reais, ou virtuais, imprimidos; e a poesia tem essa vantagem superlativa de reconduzir um mundo frio e duro à verdadeira fragilidade da condição do homem: o homem actor é normalmente um poeta frágil. 
Prometeu o Luís Caminha um novo romance, esperando nós a reabertura do seu blogue. Escrever não pode ser um negócio, nem uma vaidade, mas uma paixão de auto compreensão do nosso lugar e afecto com o mundo.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Raquel, Pinguinália, Caminha E Os Decadentes Olfactos

Raquel Maia gorgoleja Albanta como quem gorgoleja a garagem do pinguim. Nela descobre, fantasmas, adjectivos, metáforas, espirais de inquietação. A Luís Caminha consagra-o como um dos grandes de língua portuguesa. Eu também. Nobless figura: o primeiro erro, a primeira omissão. A Caminho assumirá o erro? Está fechado o círculo; que urge desfazer para libertar este pinguim da sua garagem; para lhe dar estatuto, motivo, caminho para se continuar a afirmar, com cadência, com ritmo, com a espiral de inquietação que nos tomou o gosto. O uivo do bruto destapou a lua; a esfera perfeita recolheu-o, à sua sombra: ao marfim recolheu-o o fim do dia. Albanta é a alameda dos cipestres. Nada repousa em paz, enquanto o julgado de paz não for reposto. O sono dos justos exige recompensa e desforço. Libertem-me este pinguim da garagem!

Livro Acabado E Impresso: O Livro Das Páginas Fendidas


                                                                               É estranho,
                                                                    É muito estranho
                                                               Olharmos as palavras assentes
                                                      Como as pedras da calçada,
                                                Como se fossemos calceteiros
                                        De palavras,
                                  Ladrilhadores
                              E aplainadores de letras.

                                        Que vaidade e emoção
                                             É esta que nos toma?
                                                  Que ilusão de óptica
                                                           É esta
                                                              Que nos turva os olhos,
                                                                     Como se as palavras
                                                                            Tivessem tomado
                                                                                Emancipação dos seus pais?
                                                                                      Que escrita é aquela
                                                                                               Que não conhecemos?

                           Ao longe,
                            No cemitério das ilusões,
                               Naufragam todos os dias barcos,
                                   Barcos a que não faltam velas,
                                       Nem mastros;
                                         Barcos cheios de lastro
                                             De histórias passadas,
                                                  Barcos navegados,
                                                      A quem as tormentas
                                                              Disseram nada,
                          Com gáveas de ver ao longe,
                         Mas cujos cascos não resistiram
                     À nova tormenta dos tempos:
                 A efemeridade,
              A celeridade do pensamento,
           A compressão do espaço.
                                                    É estranho, muito estranho:
                                                    E no entanto a sensação ao perto
                                                    É de um bailado de palavras,
                                                    Páginas abertas
                   Como as asas
de um cisne branco
                    A quem acrescentamos
                                    um bico afilado,
                         Uns olhos pretos
                     E umas penas, senhores,

                         Que calcam a minha almofada
                         De sonhos profundos e calmos.

PAS